Blindspot (Ponto Cego) foi uma série de televisão produzida nos Estados Unidos. Sua trama foi construída na revelação de uma mulher com amnésia e sem identidade, e que traz o corpo todo tatuado com pistas de crimes que estão por acontecer. Um investigador tenta decifrar a revelação das inscrições para evitar o pior. A tensão está entre ter a pista revelada nos símbolos das tatuagens, porém ter a compreensão limitada de seu significado e alcance.
Um ponto cego é algo que por diversas razões não está acessível para ser compreendido, ainda que esteja à sua frente. A Psicologia usa este conceito para se referir à incapacidade de reconhecer que o julgamento, os comportamentos e as decisões são afetados pelas limitações, preconceitos e visão de mundo. A medicina, na Oftalmologia tem exames para identificar uma área do olho que não possui receptores de luz, e por isso é cega.
É uma incapacidade de enxergar o que está diante de si, diante dos olhos. Poeticamente, estendendo esta noção, é a falha que impede a razão de discernir e compreender, como um lapso em escutar o que chega aos ouvidos, ou hiato entre o provar e o degustar o que passa pelo paladar; ou a incapacidade de agarrar o que é identificado pelo tato. Tudo esta lá, está aí, porém não apreensível para nós.
Creio que este é o sentido de Deus se revelando em Jesus Cristo: o Onipotente comunicando absolutamente tudo a respeito de Si, de Seu amor, de seu propósito e de suas intenções sobre nossa existência. É o Todo-Poderoso que se esvazia intencionalmente e manifesta outro tipo de relacionamento e vínculo, como exemplo vivo de outra possibilidade para nós.
Creio que Deus revela seu amor desde a Criação, inscrevendo no corpo do ser humano sua imagem e semelhança. O amor inscrito na materialidade do corpo humano, como uma tatuagem que pode solucionar as maiores angústias e prevenir o pior dos delitos.
O Evangelho é a revelação de Deus tatuando na carne da humanidade um mapa para salvação de nossos maiores medos: morte, solidão, irrelevância entre outros. Jesus Cristo, o Evangelho feito corpo, revela a boa notícia de que há solução para esta vida, nesta vida e depois. Jesus vem buscar e salvar o perdido (Lucas 19.10).
O evangelismo é a divulgação de um modo de existir neste mundo em que os nossos pontos cegos são superados pela revelação de algo que os olhos não viram e os ouvidos não ouviram, e mesmo o coração não percebeu (1 Cor 2.9), porém fomos tocados incondicionalmente e inquestionavelmente numa outra dimensão de sensações. E isto nos transforma.
Evangelizar é contar a notícia de que a batalha foi ganha (Lucas 4.21). Uma notícia escrita num corpo, com todas as células e sangue, muito mais que apenas sons de palavras, letras de texto ou hábitos de vida. Cristo é o amor que se tornou vivente, para superar os pontos cegos que impedem que seja vislumbrada outra vida possível (João 3.16). Esta cura se dá pelo reconhecimento de que há muito mais do que conseguimos compreender.
E, exatamente no relacionamento, que a experiência com Cristo oferece uma dimensão nova e inefável nos encontra. Descobrimos novidades a nosso próprio respeito, e em Cristo se revelam peculiaridades da existência humana que nos curam, dão significado. Somos despertados de um sono moribundo para a vida plena e eterna.
Mas há vezes em que, mesmo diante desta revelação inscrita e tatuada, tais quais os protagonistas da série de televisão, a mensagem não é compreendida até que alguém ajude a decifrar a mensagem. Há quem escolha não enxergar, nem ouvir (João 4.44). Aí está o papel do evangelista: apresentar uma experiência de seu próprio corpo, com o Corpo de Cristo que revela o amor de Deus, solução para a vida e salvação para alma. Traduzir em sua própria vida o Evangelho de Jesus Cristo.
A identidade marcada na realidade do corpo
Na prática, isto acontece quando o princípio do Evangelho é inscrito, tatuado experimentado com todo o seu corpo. É urgente a superação de um modelo racionalista de memorizar preceitos e articular enunciados sobre o Evangelho. Quantas pessoas bem intencionadas declamam palavras de Jesus e agem negando completamente o que dizem?
A premissa de Assis, de “pregar o Evangelho, se necessário com palavras”, é um desafio a ser considerado. A Bíblia narra Deus fabricando o corpo desde o início da Criação. Deus poderia ter resolvido tudo com um sopro, com sua voz de comando, mas optou gerar um corpo humano para materializar tudo o que era invisível. Jesus revelou tudo de Deus.
O Evangelho é palpável. E não é por acaso que Corpo de Cristo é sinônimo para Igreja. A identidade individual de cada cristão é célula integrante da manifestação real da vida regenerada em Cristo. Você é uma estampa do amor de Deus neste mundo. Você é a realidade do amor de Deus que se proclama, inscrito na manifestação de sua vida. Apertar a sua mão num cumprimento amistoso é sentir o Evangelho vivo, santo e agradável.
Evangelismo é, então, o desafio a um estilo de existir neste mundo. É algo que perpassa e permeia cada gesto, palavra, olhar e ação. É maior que qualquer cultura, estilo de vestimenta, ritmo de música ou contrato social. É algo que flui, que emana e se espalha enchendo o ambiente, como a luz que ilumina na escuridão. É como luz da “cidade edificada sobre o monte” (Mateus 5.14).
Interessante lembrar que após a ressurreição de Jesus, Tomé exige ver os ferimentos no corpo do Mestre para ter certeza de que era real. Da mesma forma o evangelista apresenta as marcas de sua própria experiência de vida como argumento do poder do Evangelho. Mais do que palavras, é uma identidade marcada em suas atitudes, hábitos e comportamentos. Não haverá ponto cego, pois tudo já foi revelado, e agora proclamado por meio de sua vida.
No evangelismo, a identidade do evangelista evidencia e replica a realidade do Evangelho mais do que suas palavras. Falar do Evangelho é evangelismo, viver o Evangelho é encarnar um método de existir no mundo influenciando as pessoas com cada célula de seu corpo. Quando as pessoas pensarem em Jesus, lembrarão de você. Quando as pessoas pensarem em você, conhecerão a Jesus Cristo, o amor de Deus para a salvação de todas as pessoas.